domingo, 17 de fevereiro de 2013

Somir Surtado: Psicologia reversa.



Somir Surtado: Psicologia reversa.

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Lembro do tema ter sido mencionado naquela semana *arrepio* democrática que tivemos por aqui. Apesar de ser um assunto que me interessa, é difícil definir uma coluna específica para ele. Não é algo que se explique de uma forma mais tradicional, nem mesmo tão polêmico assim. Pensando bem, é melhor nem nos aprofundarmos no assunto… Não continue lendo.
Bom, você continuou lendo. Mas eu não posso exatamente me gabar de ter te convencido a clicar pela psicologia reversa. Se você está acostumado a ler o desfavor, o hábito de clicar para ler o texto completo já está bem estabelecido na sua rotina. Não tem muito o que eu possa fazer para evitar essa ação.
Não estou apenas ganhando um parágrafo, estou começando a traçar algumas linhas guia sobre o que vamos chamar de psicologia reversa por aqui. Se é mero apelo à curiosidade, se não há nenhuma forma de convencimento “inverso” envolvido na argumentação, não dá para tratar da mesma forma que a modalidade mais complexa. O ser humano é curioso por natureza, com graus de intensidade diferentes entre os indivíduos, mas mesmo assim curioso. Principalmente quando o tema em questão tem contornos de coisa proibida ou exclusiva.
Isso é apelar para uma outra área “manipulável” da mente. Dizer para alguém “não fazer algo”, ainda mais num ambiente controlado, é basicamente a mesma coisa do que pedir para ela “fazer algo”. Não é psicologia reversa, é psicologia direta mesmo. A mensagem sai de uma pessoa como “não”, mas já chega na outra como “sim”.
Muita gente acaba confusa pela ideia de psicologia reversa por achar que esse tipo de apelo a curiosidade (e/ou vaidade) alheia é a verdadeira cara da tática. E isso acaba causando uma dificuldade de aplicá-la na vida real… Uma coisa é um banner de internet dizendo “não clique aqui se não quiser saber uma verdade horrível”, outra é tentar algo do tipo numa conversa real.
Pessoas agem de forma diferente em situações sociais, tem filtros e bloqueios específicos para se proteger de manipulações óbvias. Se ninguém está vendo, é provável que alguém caia na tática do “não que vira sim”, mas com plateia (mesmo que seja só o interlocutor), as coisas já mudam de figura. Pessoas tendem a comparar naturalmente a informação que a outra pessoa soltou com a que chegou em sua cabeça.
E se ela percebe uma mudança de sentido nesse caminho, a sua comunicação foi direta. O acordo implícito do “nem me pergunte” é conhecido até mesmo por crianças… Quando alguém diz isso, você está mais ou menos livre para “perguntar”. É mero aguçador de curiosidade.
E essa modalidade simplificada quase todo mundo sabe usar. Mas quando entramos no campo da psicologia realmente reversa (talvez até mesmo perversa), você começa a efetivamente confundir a outra pessoa. A sua mensagem que parte como “não” CHEGA como “não”, e só vai mudar de sentido dentro da cabeça dela. Essa sim é uma forma de manipulação mais clássica (e eficiente), a que ocorre dentro da cabeça do manipulado.
Como já tinha escrito, temos filtros e bloqueios para aceitar cegamente a mensagem que nos é passada por outras pessoas. Uma das habilidades mais incríveis do cérebro é conseguir “simular” a mente de outras pessoas com as quais convivemos e lidamos diariamente. Você entende a mensagem e tenta adaptá-la para a realidade daquela pessoa, tudo muito rápido, tudo muito “automático”.
O famoso “o que ele(a) quis dizer de verdade?”, tão comum no cerne de brigas entre casais, por exemplo. E é nessa capacidade impressionante da mente humana que reside a fraqueza explorável pela psicologia reversa. Se sabemos que a outra pessoa vai tentar interpretar o que você disse com base no que ELA acha que você realmente quer dizer, fica bem mais simples sugestionar uma conclusão.
A “boa” psicologia reversa não deixa a outra pessoa com qualquer certeza sobre o que você realmente quer. Obriga-a a criar diversas possibilidades de interpretação, inclusive algumas bem diferentes das habituais. Quando você faz outro ser humano ter de decidir entre inúmeras opções num curto espaço de tempo, o estresse da incerteza pode ser usado contra ele.
Não gostamos de ficar em dúvida. O cérebro humano recompensa o mero ato de “se achar certo”, independentemente de sua aplicação à realidade. Essa inclusive é uma das melhores explicações científicas para o pessoal das teorias da conspiração. Mas não desviemos do propósito: Menciono essa recompensa cerebral para explicar como tanta gente cai em psicologia reversa no seu dia-a-dia e mesmo assim não se sente mal com isso.
O segredo é criar um problema para a pessoa (a incerteza) onde ele não existia e guiá-la pelo processo de solução. Mesmo que a solução que você queira não seja a mais confortável ou agradável para ela, só de “resolver” ela já se sente melhor. Encurtando o processo de ação e recompensa pode-se injetar ideias nas cabeças de outras pessoas.
Mas está tudo muito teórico ainda, não? Vamos imaginar um exemplo muito simples de psicologia reversa, extremamente comum e aparentemente inócuo:
Pessoa 1: Você quer que eu faça isso?
Pessoa 2: Não precisa.
Pessoa 1: *fazendo*
Vejamos… A primeira pessoa perguntou se a segunda QUERIA algo. Talvez por interesse genuíno em fazer, talvez por mera educação… O que importa é que ela queria uma resposta sobre o QUERER. A segunda pessoa manda uma mensagem negativa, que chega ao cérebro da primeira pessoa como negativa, mas acaba gerando o mesmo resultado do que uma mensagem positiva.
Na cabeça da primeira pessoa, a troca de QUERER por PRECISAR gera uma dúvida. E é nessa dúvida que está todo o potencial “reversor” da tática. A segunda pessoa não respondeu a pergunta de verdade, quem vai fazer esse trabalho é a primeira pessoa. E aí fica mais fácil fazer logo para dirimir de uma vez por todas a dúvida.
A vantagem para a segunda pessoa é que ela não pode ser “cobrada” mais pela ação realizada pela primeira. Sei que parece uma bobagem complicar tanto uma conversa tão simples, mas esse é o mecanismo da reversão que vai funcionar em perguntas simples e longas conversas, do mesmo jeito: Forçar a outra pessoa a responder uma pergunta, sozinha, sem dicas e em curto espaço de tempo.
A maior parte das bobagens que fazemos são decorrentes de decisões apressadas ou sob muita pressão, então faz todo o sentido se basear nisso para guiar pessoas para a direção que você quer. As pessoas querem um caminho para se livrar dessa dificuldade, por isso não é só dizer “o contrário do que você quer dizer” para fazer psicologia reversa funcionar.
Ambiguidade também é amiga de quem quer praticar essa modalidade de manipulação. O exemplo do “querer/precisar” é perfeito para isso… Palavras que não sejam declarações inequívocas de intenção precisam estar na frase que se quer inverter. E fica a dica: Quanto mais chucra a pessoa, maior a sua dificuldade… O que não falta por aí é gente que mal sabe os significados das palavras que usa e ouve.
E para evitar que sua mensagem seja entendida como uma manifestação clara do inverso do que você quer, atenção para a linguagem corporal. Não me vai estufar o peito, levantar o nariz e olhar bem nos olhos de quem está tentando enrolar com essa tática! E nem baixar a cabeça e parecer inseguro, denotando mentira óbvia.Tem que ser sutil o suficiente para que a outra pessoa interprete o que você diz como mentira, mas não tenha como ter certeza. Lembre-se: Você quer que ela entre em modo de decisão sob stress, não que assuma o controle da discussão.
É sim uma forma covarde de argumentar/convencer, não vou ficar dourando a pílula. O grande poder dessa tática é eliminar ou pelo menos diminuir severamente a responsabilidade quem a usa nas decisões tomadas. Fica fácil tirar o time de campo e dizer que não deve nada, afinal, foi a outra pessoa que presumiu e agiu de acordo.
E para carimbar meu passaporte para o inferno dos mentirosos, aqui vai uma dica valiosa quando se convive com alguém que se quer enrolar com frequência: Sabe quando a Sally diz que para adestrar bicho você não pode sempre dar uma recompensa quando ele faz o que você quer? A mesma coisa vale para relacionamentos humanos, claro, com adaptações. Psicologia reversa perde seu poder quando a outra pessoa é capaz de prever sua reação a uma resposta “errada”. Às vezes é interessante criar situações onde a pessoa deveria ter entendido o que você disse de forma direta, punindo-a por tentar depreender um significado diferente.
Quem usa psicologia reversa do mesmo jeito, vez após vez, acaba ficando previsível e perdendo o ponto mais forte do seu golpe: A dúvida. Por isso que depois de alguns anos de convivência as famosas “mães judias” vão ficando menos eficazes… os “filhos” já sabem o que elas querem, e já sabem que elas vão sempre se comunicar de forma inversa.
Apesar da escrotice elementar ao processo, acho importante explicar o mecanismo de funcionamento. Mesmo sabendo que tem gente que vai usar para se esquivar de responsabilidades, conhecimento é poder. É poder usar, mas também é poder reconhecer rapidamente o truque e reagir de acordo. Atenção: Não é sobre dizer uma coisa inversa ao que se quer dizer, é sobre a dúvida “artificial” gerada na cabeça alheia. Quanto mais você entender isso, mais vai saber reconhecer essa armadilha.
Não tenha medo de não ter uma resposta rápida para tudo. É normal, seu cérebro é uma máquina formidável, mas não é capaz de resolver qualquer problema numa cacetada só. A presunção de insegurança e/ou burrice que pedir um tempo para pensar PODE gerar é um peido perto das cagadas que se faz ao querer demonstrar que é fodão(fodona) e que já tem todas as respostas na ponta da língua.
Isso é usado para te manipular, o tempo todo. O processo tem uma falha gerada pelo prazer que o cérebro tem em resolver problemas (mesmo que de qualquer jeito), isso pode e É explorado, consciente ou inconscientemente, por diversas pessoas ao seu redor.
Não tem coisa mais inteligente do que aceitar seus momentos de burrice. Não tem coisa mais segura de si do que entender que podemos ser inseguros. Não seja um alvo fácil.
Ou não. Ha.


http://www.desfavor.com/blog/2013/01/somir-surtado-psicologia-reversa/

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